A proposta do Orçamento do Estado (OE) moçambicano para 2020, submetida pelo Governo ao Parlamento, fixa uma alocação de 10% para o sector da agricultura. Trata-se da primeira vez desde a assinatura da Declaração de Maputo em 2003. Em 2003, Moçambique a par doutros países da União Africana (UA) assumiram um compromisso de alocação de pelo menos 10% dos seus orçamentos anuais para a agricultura. O trato ficou conhecido como Declaração de Maputo. O cumprimento dessa medida tem sido uma miragem na maioria dos estados-membros da UA. Em 2020, a chamada “Pérola do Índico” prepara-se para sair da lista dos incumpridores. Segundo consta da proposta do Orçamento do Estado (OE) deste ano, consultada pelo “O País”, que fixa a despesa total em cerca de 345.3 biliões de meticais, o Executivo de Filipe Nyusi já prevê a canalização de 10 por cento só para agricultura. Fonte segura do Ministério da Economia e Finanças confidenciou que em termos práticos, esta será a primeira vez no histórico dos últimos orçamentos propostos pelo Governo e chancelados pela Assembleia da República (AR). Aliás, este provável cumprimento da Declaração de Maputo em termos práticos (falta a aprovação do Parlamento) é desejo manifestado pelo Chefe de Estado no arranque do novo ciclo governamental, que elegeu a agricultura como uma das “grandes bandeiras”, a par da saúde e educação. Ainda nos compromissos sectoriais, a proposta do Orçamento do Estado prevê uma alocação de 20% para o sector da educação e 15% para a saúde, este último ainda com um défice na ordem de 4,1%. POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO Com a descentralização dos fundos na ordem do dia, o novo orçamento atribui mais controlo dos distritos a nível local, menos dinheiro para as autarquias e órgãos centrais, comparativamente a lei orçamental de 2019. Concretamente, a alocação por âmbito, prevê-se uma alocação de cerca de 139.9 biliões de meticais a nível central em 2020 (contra 148.6 biliões em 2019), 60.7 biliões de meticais para os distritos (49.6 biliões em 2019) e apenas 4.3 biliões de meticais para as autarquias (4.8 biliões em 2019). Em termos de variação percentual nota-se um ligeiro equilíbrio na distribuição de fundos públicos entre órgão central e local, 57,2% e 42.8%, respectivamente. Em 2019, o cenário era de 61.4% (órgão central) e 38% (a nível local). O incremento a nível local, segundo a proposta do Orçamento do Estado deste ano, deve-se a maior aposta nos distritos como forma de potenciar a prestação de serviços nestes pontos do país. ORÇAMENTO POR PROVÍNCIA Os limites orçamentais para os órgãos de governação descentralizada provincial e para os órgãos de representação do Estado colocam a província de Gaza como um dos maiores receptores dos fundos. Com cerca de 445.7 milhões de meticais, curiosamente, Gaza supera as províncias de Nampula e Sofala (estas duas províncias têm maior densidade populacional cada, em relação a Gaza), sendo superada apenas por Zambézia e Tete, que irão receber 610.2 milhões de meticais e 494.9 milhões de meticais, respectivamente. Os valores a serem alocados destinam-se às despesas de funcionamento e de investimento ao longo de 2020. No global, o Executivo propõe alocar aproximadamente 3.8 biliões de meticais a todas províncias do país, sendo dois biliões de meticais para despesas de funcionamento e 1.8 bilião para investimentos. MENOS DESPESA COM INVESTIMENTO Como tem sido hábito, as despesas de funcionamento vão absorver mais fundos do Orçamento do Estado face a rubrica investimentos. A proposta prevê um peso de cerca de 66,1% para a rubrica funcionamento no exercício económico de 2020, um acréscimo de 8,3 pontos percentuais em relação ao ano anterior, enquanto as despesas com investimento vão absorver 20,6% e 13,3% para despesas de operações financeiras. Concretamente, e em termos numéricos, espera-se um alcance de 228.3 biliões de meticais, contra 196.5 biliões de meticais em 2019, equivalente a 22,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Ainda nesta rubrica, a maior proporção da despesa será destinada ao pessoal em cerca de 54,3%, seguindo-se bens e serviços com 15,1% e encargos da dívida com 16,3%. A despesa com pessoal deverá situar-se nos 124 biliões de meticais em 2020, deste montante cerca de 118.9 biliões é correspondente a salários e remunerações. Ainda para o ano de 2020, a proposta do Governo refere que “as admissões continuarão a restringir-se aos sectores da educação, saúde e agricultura”, estando prevista a admissão de 13.172 efectivos, correspondente a um impacto orçamental de 1.807,7 milhões de meticais, ou seja, um incremento de 20,5% em relação a 2019. ENCARGOS DA DÍVIDA Para esta componente, a proposta do Executivo de Filipe Nyusi prevê pagar perto de 37.3 biliões de meticais com o serviço da dívida, equivalente a 3,7% do PIB e um incremento ligeiro de 0,3 pontos percentuais em relação a 2019. Deste valor, cera de 24.1 biliões de meticais é referente ao compromisso de juros internos e 13.1 biliões para juros externos. Refira-se, que a proposta do OE de 2020 foi elaborada num contexto de recessão global da economia devido a pandemia COVID-19, o que irá retrair os fundos externos para Moçambique. O Plano Económico e Social (PES) deste ano fixa o crescimento do PIB moçambicano em 2,2%, inflação média anual de 6,6% e exportações no valor de 4.4 mil milhões de dólares norte-americanos. Contudo, e apesar do stress económico a nível nacional e internacional, o Governo moçambicano projecta uma entrada de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) de 2.264 milhões de dólares para 2020, um crescimento em cerca de USD 273 milhões em relação ao ano transacto. Este limitado IDE, segundo o Executivo reflecte os receios quanto a Decisão Final de Investimento na Área 4 da bacia do Rovuma, em Cabo Delgado. Aliado à queda de preços do petróleo no mercado internacional.