CCMUSA – Câmara de Comércio Moçambique USA

Apesar dos desafios, vislumbram-se progressos na inclusão financeira

Esselina Macome

Uma avaliação de médio prazo (2016-18) da Estratégia Nacional de Inclusão Financeira 2016-2022 indica que o país alcançou progressos consideráveis no domínio da inclusão financeira. O estudo, produzido pelo Banco Mundial e seus parceiros, a pedido do Banco de Moçambique, destaca a abertura de mais de 4 milhões de novas contas bancárias, o crescimento das operações em moeda electrónica, a expansão dos pontos de acesso financeiro, o fortalecimento da infraestrutura financeira para crédito e a execução de garantias e a melhoria do quadro legal e regulamentar. Mas também há desafios. Neste ‘Especial Inclusão Financeira’, a revista Mozbusiness ouve algumas das entidades do sector e perspectiva o actual estado da inclusão financeira.

MATEUS FOTINE (TEXTO)

 

Carteiras móveis são o principal dinamizador da inclusão financeira
Num documento intitulado “Estratégia Nacional de Inclusão Financeira 2016 – 2022 Revisão de Médio Prazo”, o Banco Mundial aponta que o principal impulsionador desta inclusão financeira tem sido o crescimento das carteiras móveis, ao passo que as contas de depósito nos bancos têm permanecido inalteradas.

De acordo com os dados do Banco Mundial, o número de contas de moeda electrónica registadas ultrapassou as contas bancárias em 2016, e o hiato continua a aumentar. Desde 2015, a titularidade de contas bancárias cresceu em média 8% ao ano, enquanto a titularidade de carteiras móveis cresceu ao triplo desse ritmo (23% ao ano). A tendência em relação à moeda electrónica também se acentuou no valor das transacções, que passou da média de 1 por cento do PIB, em 2014-16, para 19 por cento, em 2017. E as evidências indicam que esta tendência poderá manter-se nos próximos anos.

Em 2022, depois de negociações prolongadas, foi confirmada a possibilidade de transacções entre as 3 carteiras móveis, nomeadamente o m-pesa, o mkesh e o E-mola. De acordo com o Banco de Moçambique, as mulheres encontram-se significativamente sub-representadas em termos de titularidade de contas. De forma semelhante às conclusões do Banco Mundial, a organização Financial Sector Deepening Mozambique (FSDMoç) defende que, de um modo geral, há cada vez mais pessoas incluídas financeiramente. Numa entrevista via e-mail, a directora executiva da FSDMoç, Esselina Macome, explicou que os resultados do FinScope 2019 mostram que, no geral, Moçambique registou uma melhoria dos níveis de inclusão financeira, ao observar a redução dos níveis de exclusão financeira de 60%, em 2014, para 46%, em 2019. “Destaca igualmente o papel que os serviços financeiros móveis e de seguros têm desempenhado na melhoria dos serviços financeiros formais não bancários, tendo estes incrementado de 4%, em 2014, para 22%, em 2019”, explicou.

Nova legislação facilitou a emergência do mercado financeiro
A emergência do mercado financeiro digital foi facilitada, dentre outros factores, pela nova legislação sobre a emissão de moeda electrónica, por uma rede em expansão de caixas automáticas (ATM) e terminais de ponto de venda (POS) e pelos regulamentos emitidos sobre a utilização de agentes bancários.

De acordo com o estudo que temos vindo a citar, as transacções em ATM e POS, apoiadas por uma rede de terminais em expansão, aumentaram 50% no primeiro período de implementação, passando a representar 150 milhões por ano. “Foram introduzidos serviços adicionais, como o pagamento de contas, aumentando a conveniência, o uso e a proposta de valor das operadoras de moeda electrónica. Foi aprovado pelo Conselho de Administração do Banco de Moçambique (BM) e submetido ao Conselho de Ministros para aprovação um projecto de regulamento sobre prestadores de serviços de pagamento. O BM também elaborou projectos de regulamentos relativos a contas bancárias simplificadas e projectos de revisão para reduzir a idade mínima legal de abertura de contas de 21 para 16 anos”, indica o Banco Mundial.

Falando sobre a consolidação da infraestrutura de crédito durante a primeira fase de implementação da “Estratégia Nacional de Inclusão Financeira 2016 – 2022”, o Banco Mundial indicou que, de acordo com a experiência global, as melhorias nas infraestruturas de crédito facilitam o acesso ao financiamento ao longo do tempo.

“A nova Lei do Sistema de Informação de Crédito de Gestão Privada e o respectivo decreto foram promulgados, tendo uma empresa iniciado a sua actividade em 2019. A Assembleia da República aprovou a lei que aprova o Regime Jurídico de Utilização de Bens Móveis como Garantia de Cumprimento das Obrigações e cria a Central de Registo de Garantias Mobiliárias em Novembro de 2018, tendo o respectivo regulamento sido concluído por decisão do Conselho de Ministros. O estabelecimento de um registo de garantias mobiliárias online está a avançar rapidamente. O Governo de Moçambique também promulgou o Estatuto do Administrador de Insolvência (Decreto 36/2019) que estabelece um novo regulador de insolvência, processo de licenciamento e um código de conduta e procedimentos disciplinares”, apontou o estudo.

 Mercado de capitais num estado modesto
Os mercados de capitais são relativamente modestos em Moçambique. Mercados monetários e de dívida pública sólidos e com liquidez são importantes para a estabilidade monetária, o que tem um impacto na inclusão financeira, defende o já citado estudo.

Em declarações à nossa reportagem, o Presidente do Conselho de Administração da Bolsa de Valores de Moçambique, Salim Valá, concorda com o estudo do Banco Mundial, ao defender que “o mercado de capital é um dos que ainda não está muito desenvolvido no país”, sendo que “o desafio tem sido levar a cabo um leque de acções, como sejam a educação e a literacia financeira por via de feiras, seminários, workshops e sessões de capacitação”.

O Governo, com o apoio do Banco Mundial, está a envidar esforços para melhorar o funcionamento do mercado primário de títulos do Estado. “Isto é importante para o desenvolvimento mais alargado do sector financeiro, influenciando a afectação efectiva do excesso de liquidez no sistema financeiro e aumentando o âmbito e a disponibilidade de veículos de poupança para a população”, defende o estudo.

E os resultados já começaram a surgir. Segundo explica o representante da Bolsa de Valores, Salim Valá: “no Plano Estratégico de Inclusão Financeiro 2016-2022 tínhamos uma capitalização bolsista de 10% em proporção do PIB, mas hoje a nossa capitalização é de 23.8%”. “Iniciámos com 4 empresas registadas e hoje temos 12”, avançou o dirigente, para quem “os empresários e investidores conhecem mais a Bolsa e a usam, não só os produtos no ramo de acções, mas também no ramo das obrigações corporativas”. A título exemplificativo, “nos dois últimos meses do ano, tivemos acções da Tropigalia onde mais investidores se apropriaram de títulos cotados na Bolsa. Nos finais de Outubro, fizemos um balanço dos 24 anos da Bolsa numa conferência internacional e os indicadores são positivos”, disse.

No entender de Salim Valá, a ausência de contabilidade organizada e contas auditadas constituem o maior desafio para a admissão à BVM e o uso dos seus serviços. “Também temos a questão de dispersão accionista. Muitas empresas no país não são sociedades anónimas, são por quotas”, referiu o dirigente, revelando que o objectivo é que, até 2026, a percentagem de capitalização bolsista passe de 24 para 35%, a média da SADC. E as acções estão em curso, para além das sessões de educação e literacia financeira.

“Pretendemos quebrar a ideia de que a BVM é só para empresários e investidores de Maputo, que é só para as elites”, avançou Salim Valá, explicando que “a BVM é um mecanismo de poupança, investimento e financiamento alternativo à economia, não é sorte muito menos jogo de azar”. “A inclusão financeira vai permitir melhor oxigenação dos projectos não viáveis para que hajam mecanismos de financiamento alternativos e seguros, como forma de viabilizar os negócios de empresas”.

Mas não só. “Com a inclusão, também se pretende popularizar o capital”, prossegue o entrevistado, exemplificando casos de outras geografias. “Em outros países, o processo de inclusão financeira é feito através do alargamento da banca para as zonas rurais usando meios tecnológicos ou carteiras móveis”. “Um dos grandes segredos é promover a existência de sociedades abertas que sejam fortes, onde cada cidadão que faz poupança se torna um investidor e pode capitalizar”, defendeu o PCA da Bolsa de Valores.

“Um Distrito, Um Banco” melhorou o acesso aos serviços financeiros
O projecto “Um Distrito Um Banco”, do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) e a abertura de agentes bancários e não bancários melhoraram o acesso aos serviços financeiros em Moçambique.

Concebido para promover a expansão dos serviços financeiros a todos os distritos de Moçambique, o projecto apoiou o estabelecimento de agências bancárias em 21 novos distritos, servindo 60 mil novos clientes. Estima-se que 90% dos distritos estejam servidos até 2022.

Devido a constrangimentos infraestruturais e à falta de viabilidade comercial nos distritos remotos, que podem ser mais bem servidos por agentes bancários e de moeda electrónica, o Banco Mundial já alertava que, dificilmente, a meta inicial de 100 por cento será atingida. Entre 2015 e 2018, entraram em actividade mais de 1.100 agentes bancários e 43 mil agentes de moeda electrónica.

Seguro com baixa penetração
O sector dos seguros é muito pequeno e subdesenvolvido, com uma penetração de apenas 1% e um total de prémios anuais na ordem dos 20 milhões de dólares. O país dispõe de regulamento relativo ao micro-seguro. “O conhecimento do mesmo entre os consumidores é limitado”, conclui o estudo do Banco Mundial, indicando que “o micro-seguro direccionado para a população de baixa renda está num estágio inicial e a oferta de produtos é muito limitada (consiste principalmente em seguros de funeral)”.

Tem-se assistido a um número limitado de ofertas-piloto de seguros agrícolas baseados no clima, mas a falta de dados e os custos elevados estão a comprometer o seu desenvolvimento. “As seguradoras estão a debater-se com o desafio de servir clientes de baixa renda de forma rentável e o desenvolvimento de modelos de negócios digitais de baixo custo não é possível, uma vez que a Lei dos Seguros não reconhece as assinaturas digitais”.

Para incrementar uma maior dinâmica ao sector, o estudo indica que “é reconhecida a necessidade de actualizar a lei dos seguros de 2015, incluindo a definição de micro-seguro, bem como de rever os elevados impostos de selo sobre os produtos de seguros não tradicionais”. “O sector das pensões está subdesenvolvido: apenas 0,8 por cento da população activa está coberta, deixando a maioria dos moçambicanos sem segurança financeira na velhice”, acrescenta.

 

CAIXA

O que é a ENIF?

O Governo lançou uma ambiciosa Estratégia Nacional de Inclusão Financeira (ENIF) em Julho de 2016. A ENIF assenta em três pilares: (i) acesso e uso de serviços financeiros, (ii) fortalecimento da infraestrutura financeira, e (iii) protecção do consumidor e educação financeira. A ENIF também identificou áreas prioritárias de acção e metas globais de implementação, juntamente com uma estrutura de coordenação proposta e um quadro de monitoria e avaliação (M&A). O período de implementação da ENIF foi de 2016 a 2022, com uma fase inicial até 2018.

 

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