A Câmara de Comércio Moçambique-EUA (CCMUSA) e a empresa norte-americana CADA organizaram uma conferência sobre “Como lucrar com os créditos de carbono”, a 6 de Julho, em Maputo. A iniciativa contou com o apoio do Nedbank e da XMU – Consultoria em Comunicação e Design, e reuniu vários especialistas do mercado dos créditos de carbono que abordaram o drama global das alterações climáticas e as oportunidades que existem para as empresas gerarem dinheiro com os créditos de carbono.
Helga Nunes e Mafiqueni Júnior (texto)
Os países e as empresas podem compensar as suas emissões de dióxido de carbono por meio de um sistema de compra de créditos criado no Protocolo de Kyoto, de 1997, e actualizado pelo Acordo de Paris de 2015.
Com as questões ambientais cada vez mais no centro das preocupações mundiais e com os governos e as empresas a assumir o compromisso de preservar as florestas e diminuir as emissões na atmosfera, investir em créditos de carbono tornou-se um negócio lucrativo.
Os futuros contratos das unidades equivalentes de carbono negociados no Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS) já valorizaram 187% em euros, desde 2018. No âmbito dessa alta, surgem novas ferramentas para gerar e comercializar os créditos de carbono. E essas alternativas permitem que tanto os pequenos como os grandes investidores exponham o seu portefólio nesse mercado.
No sentido de propiciar ganhos ambientais e financeiros às organizações, a Câmara de Comércio Moçambique-EUA (CCMUSA), com a colaboração da empresa norte-americana CADA, organizou uma Conferência dedicada ao tema “Como lucrar com os créditos de carbono”, no dia 6 de Julho, em Maputo. A iniciativa contou com o apoio do Nedbank e da XMU – Consultoria em Comunicação e Design, e teve a revista Mozbusiness como media partner.
Tratou-se de um evento que teve o condão de contar com quatro oradores especializados no tema e de juntar mais de 160 pessoas expectadores no Business Lounge by Nedbank.
Os especialistas
A Conferência “Como lucrar com os créditos de carbono” contou com um elenco de expertises único. Além da presença do PCA do Nedbank Moçambique, Manuel Gameiro e do Presidente da Câmara do Comércio Moçambique-Estados Unidos da América, Evaristo Madine, o evento teve no painel de oradores Allan Schwarz, Eduardo Piquero, Gary Cline, e Patrick Munyaneza.
Eduardo Piquero é CEO da MEXICO2, a Plataforma Mexicana de Carbono. Com mais de 15 anos de experiência em mercados de carbono, também é membro do Conselho da Climate Action Reserve e foi seleccionado como uma das 20 mentes mais sustentáveis do México em 2022.
Gary Cline é director executivo da Carbon Asset Developer Associates LLC e um premiado implementador sénior internacional de projectos de baixo carbono. Como especialista registado no mercado de carbono do Grupo Banco Mundial e profissional certificado em regulamentação e estratégia de serviços públicos, Clyne tem uma ampla competência nos mercados de petróleo e gás/petroquímica, compensação de carbono, utilização e armazenamento de captura de carbono, reduções certificadas de emissões e comércio internacional de emissões.
Patrick Munyaneza é líder da Gestão do Programa Internacional Carbon Asset Developer Associates Granada Limited e é especialista no Artigo 6 do Acordo de Paris, trabalha com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Tem uma experiência profissional considerável em Gestão de Finanças Públicas e Mudanças Climáticas (Instrumentos de Precificação de Carbono), e presta serviços de consultoria a intervenientes estatais e não estatais na África e no Caribe.
Allan Schwartz é fundador do Mezimbite Forest Centre. Foi formado pela Wits University e MIT, onde leccionou o curso “Design with Nature”. Allan persegue os ideais de Design Sustentável em Moçambique e fundou o Mezimbite Forest Centre, há quase 30 anos, treinando os produtores de móveis, utensílios domésticos e acessórios de qualidade. Schwartz implementou técnicas de reflorestamento específicas para o nosso meio ambiente com sucesso. Regularmente, é citado como um líder em mudanças climáticas e, mais recentemente, listado na COP 26 entre os 25 mais importantes Guerreiros de Mudanças Climáticas do mundo.
E estes foram os especialistas escolhidos pela Câmara de Comércio Moçambique-EUA (CCMUSA) para dar um amplo overview sobre como funciona o negócio dos créditos de carbono no mundo.
Aliar o retorno financeiro com o impacto ambiental positivo
Os créditos de carbono desempenham um papel fundamental na luta contra as mudanças climáticas e na promoção de um mundo mais sustentável. Eles representam um instrumento financeiro que incentiva a redução das emissões de gases de efeito estufa, impulsionando a transição para uma economia de baixo carbono.
Moçambique está no topo do ranking dos países mais afectados pelas alterações climáticas. De acordo com o Relatório de Avaliação Global das Nações Unidas, de 2019, sobre a Redução do Risco de Catástrofes, Moçambique é o terceiro país mais vulnerável às catástrofes naturais. Eventos climáticos severos e frequentes são comuns no nosso país.
Manuel Gameiro, PCA do Nedbank Moçambique, reforçou que “os bancos são actores incontornáveis neste processo, funcionam como uma espécie de espinha dorsal na economia, alocando recursos por via do financiamento, das políticas de investimento, entre outros. O Grupo Nedbank, em particular, tem um compromisso muito grande com as questões ambientais. A título de exemplo, em 2005 tornou-se o primeiro banco africano a subscrever os princípios do Equador e determinou para 2050 o ano limite de emissões net zero”.
Esta abordagem tem atraído investidores interessados em aliar o retorno financeiro com o impacto ambiental positivo, impulsionando uma mudança global na forma como os investimentos são realizados.
O Nedbank Moçambique destaca-se na abordagem e promoção dos Créditos de Carbono, tornando-se um catalisador de acções para a protecção do ambiente, segundo Gameiro. A sua visão e compromisso com a sustentabilidade está alinhada com a construção de uma economia de baixo carbono, que traga benefícios para o meio ambiente e a sociedade em geral.
O PCA do Nedbank Moçambique, Manuel Gameiro, afirmou com a convicção de que o país tem amplas condições para tirar proveito do mercado de carbono.
“As empresas podem ter os planos estratégicos mais bonitos, mas perante eventos climáticos adversos e severos, não cumpriremos nenhum desses planos estratégicos. A questão dos créditos de carbono aparece justamente como um mitigante, um instrumento ou comodity, que é transaccionado no mercado de carbono para reverter esta tendência das alterações climáticas”, explicou Manuel Gameiro.
Investimentos verdes
Falando sobre o crescimento desta nova tendência comercial das mudanças climáticas, Manuel Gameiro sublinhou que o mercado de Créditos de Carbono é um mercado que tem vindo a crescer a uma velocidade enorme, pelo menos o mercado voluntário. O representante do Nedbank Moçambique referiu que um relatório deu a conhecer que, em 2020, foram transacionados créditos de carbono equivalentes a 95 milhões de toneladas de dióxido de carbono, o dobro do que tinha sido em 2017 e há empresas que já têm nos créditos de carbono uma importante fonte de receitas.
“Só no primeiro trimestre de 2021, a Tesla vendeu para os fabricantes de automóveis mais tradicionais créditos de carbono equivalentes a 518 milhões de dólares. Estamos a falar de uma só empresa, e isto é para dar a magnitude da velocidade deste mercado. As projecções não podiam ser mais encorajantes. Estima-se que, atá 2030, o Mercado dos Créditos de Carbono cresça a um factor de 15, e que até 2050 cresça a um factor de 100, perfazendo um valor de mercado aproximado de 50 biliões de dólares, por volta de 2050, ou seja, mais de três vezes o Produto Interno Bruto de Moçambique”, argumentou o PCA do Nedbank Moçambique.
Nesse contexto, o Nedbank e a Câmara de Comércio Moçambique—Estados Unidos da América afirmaram o compromisso de dar um singelo contributo para que se comece a conversar cada vez mais sobre este tema, para juntos encontrarem soluções, caminhos e formas de tirar vantagens do mercado de carbono.
Os bancos são considerados um actor incontornável neste processo porque funcionam como uma espécie de espinha dorsal na economia, alocando recursos por vias de financiamentos, de políticas de investimento, e transaccionando ou emitindo os créditos de carbono.
Financiamento climático, um novo instrumento
O presidente do Conselho Directivo da Câmara de Comércio Moçambique-EUA (CCMUSA), Evaristo Madime, referiu que a recém-terminada Cimeira de Paris, sob o lema Novo Pacto Global de Financiamento, os governos, o sector privado, os bancos e as instituições multilaterais discutiram a reforma do sistema financeiro internacional, com vista a facilitar o financiamento ao desenvolvimento, e também da acção climática.
A discussão acerca da reforma de arquitectura do sistema financeiro internacional para permitir a mobilização de capital necessário para os investimentos, em particular os investimentos verdes em países em desenvolvimento, data de há décadas. A esse propósito, Evaristo Madime acrescentou ainda que os desafios (enquanto obstáculos) do acesso ao financiamento no nosso país são sobejamente conhecidos, em especial para o financiamento climático.
“O comércio do crédito de carbono é uma fonte adicional às fontes tradicionais de financiamento e pode ajudar a tornar os projectos verdes financiáveis e rentáveis. O sector privado de Moçambique pode, pois, explorar as oportunidades nos mercados de carbono internacionais e gerar receitas adicionais com a venda de créditos. Moçambique precisa de investimentos verdes na sua transição para uma economia verde. Os investimentos em projectos com baixas emissões de gases de efeito estufa nas áreas de geração e transmissão de energia, nas áreas de transporte, na gestão de resíduos tóxicos, na captura de carbono e na eficiência energética, são necessários e podem trazer rentabilidade”, sublinhou o presidente do Conselho Directivo da CCMUSA.
Uma ideia simples para um problema espinhoso
Gary Cline, CEO da Carbon Asset Developer Associates – CADA com sede no Sul de Texas, nos EU A, falou sobre o dióxido de carbono como um activo global valioso e monetizado localmente.
Cline referiu que, de acordo com o artigo 6.2 dos Acordos de Paris, se o Governo de Moçambique permitir o intercâmbio sob um acordo bilateral com um dos países compradores, o país terá como benefícios, divisas, criação de empregos e uma oportunidade única para a transferência de tecnologias do mercado de carbono bem como o crescimento do PIB. Cline disse ainda que Moçambique não contribui muito para o CO2 na atmosfera. Portanto, pode fazer um bom negócio através da venda de projectos de prevenção e mitigação de emissões.
Importa enfatizar que o Protocolo de Kyoto de 1997 e o Acordo de Paris de 2015 foram acordos internacionais que estabeleceram metas internacionais de emissões de Dióxido de Carbono (CO2). Com estes últimos ratificados por todos os países, estabeleceram-se metas de emissões e regulamentos no sentido de as apoiar.
Com essas novas regulamentações em vigor, a pressão sobre as empresas para encontrar maneiras de reduzir emissões de carbono cresceu. O que os mercados de carbono fazem é transformar as emissões de CO2 numa commodity, estipulando um preço. Essas emissões enquadram-se numa de duas categorias: créditos de carbono ou compensações de carbono, e ambos podem ser comprados e vendidos num mercado de carbono. É uma ideia simples que fornece uma solução baseada no mercado para um problema espinhoso.
Vamos colocar a floresta de volta
Allan Schwarz, um dos oradores do evento e fundador da Mezimbite Forest Center (O Centro Florestal Mezimbite) — um projecto de conservação em Moçambique que visa eliminar a pobreza nas comunidades florestais, proporcionando empregos de maior valor que protegem e restauram as florestas de África, plantando árvores e substituindo as usadas — recordou os moçambicanos que nós somos tão responsáveis pelo desmatamento que temos aqui quanto as pessoas que estão emitindo toneladas e toneladas de carbono na atmosfera.
“Outra coisa que, como moçambicanos, nos devemos lembrar é que uma grande parte da nossa economia são os hidrocarbonetos. Em Tete, temos montanhas de carvão, e os comboios passam ao lado da minha fazenda, exportando 12 milhões de toneladas de carvão por ano, apenas uma empresa. Sim, não o queimamos aqui, mas certamente fornecemos carvão ao mundo para ser queimado. Também temos um gasoduto que vai de Temane à África do Sul, não queimamos muito gás natural aqui, mas enviamos para outras pessoas queimarem; então, nós somos realmente responsáveis, nós somos a fonte. Estamos prestes a entrar numa quantidade absolutamente massiva e sem precedentes de produção de hidrocarbonetos no norte do país, também somos responsáveis pelo que acontece lá, porque somos a fonte. Então, por favor, não nos vamos fazer de vítimas porque somos nós que vamos mudar esta situação”.
Voltando aos tempos antigos, concretamente a 1963, houve, disse Allan Schwarz, um relatório maciço da floresta moçambicana, publicado por Barbosa, que dizia que 75% de Moçambique era floresta selvagem naquele momento. Hoje, porém, dependendo de quem conta, se for o Governo, diz que só temos 40% das nossas florestas; já as pessoas mais radicais dizem que é menos de 12.
“Ambos provavelmente estão errados em algum lugar, mas isso é uma perda enorme. Então, o que isso significa é que temos uma área de aproximadamente 60 milhões de hectares de terra degradada em Moçambique, que não está fazendo o trabalho que costumava fazer em termos de manutenção de um certo nível de clima. E isso é algo muito importante para nós entendermos. Então, como vamos lidar com o problema? Vamos colocar a floresta de volta”, concluiu Allan.
Os dois tipos de mercado de carbono
O mexicano Eduardo Piquero, CEO da MEXICO2, a propósito da precificação e projectos de carbono, referiu que são muitos os países que têm preços de carbono, tais como União Europeia, Inglaterra, China, Japão, Nova Zelândia, África do Sul, Estados Unidos, Brasil, Canada, Argentina, Colômbia, e se expandindo ainda para outros países mundialmente. Alguns destes países, como é o exemplo da União Europeia, EUA, China, Canadá, já estabeleceram políticas de impostos de carbono.
Eduardo Piquero falou que Moçambique pode participar no mercado de carbono com base em dois tipos de mercado de carbono. Primeiro, os mercados obrigatórios, onde as empresas devem pagar por poluir ou onde têm um tratado de carbono para elas diminuírem as suas emissões. o segundo, é o mercado que permite que os países desenhem projectos de carbono e que estes sejam comercializados nos mercados internacionais, que é o mercado voluntário de carbono.
Os créditos de carbono são também conhecidos como licenças de carbono, funcionam como guias de permissão para emissões. Quando uma empresa compra um crédito de carbono, geralmente do governo ou de entidades produtoras, a mesma ganha permissão para gerar uma tonelada de emissões de CO2. Com os créditos de carbono, a receita de carbono flui verticalmente das empresas para os reguladores, embora as empresas que acabam com créditos excedentes possam vendê-los para outras empresas.
O compromisso de Moçambique face às emissões
Patrick Munyaneza, que viveu 20 anos em Moçambique e tirou um curso da Universidade Eduardo Mondlane e na Universidade São Tomás, realçou o Acordo de Paris sobre o Clima, um tratado internacional sobre as alterações climáticas. Adoptado em 2015, o acordo abrange a atenuação das alterações climáticas, a adaptação às mesmas e o financiamento.
Para mostrar de onde virá a demanda, Patrick Munyaneza fez referência de que o sector privado, as grandes empresas, grandes corporações e grandes multinacionais têm anunciado publicamente as suas intenções de se tornar Net-zero nas próximas décadas. Empresas como Facebook, Microsoft, Astrazeneca, Tesla, e muitas outras, têm feito estes cometimentos. E, para fazerem isso, vão comprar créditos de acordo tanto com o artigo 6 do Acordo de Paris, como o de acordo com o mercado voluntário.
Moçambique dentro do acordo de Paris e da sua contribuição nacional, compromete-se, segundo disse Patrick Munyaneza, a reduzir 76.5 milhões de toneladas de dióxido de carbono até 2030. E o custo deste projecto estima-se em cerca de 11 biliões de dólares norte-americanos, principalmente nos seguintes sectores: energia, transportes, gestão de resíduos tóxicos, indústrias de alumínio e cimentos, e gestão sustentáveis das nossas florestas.
“Em toda a África, será necessário até 2030 um investimento de quase 3 triliões de dólares para a implementação de cada um dos planos quinquenais com que os governos se comprometeram”, frisou Patrick Munyaneza.