Luís Magaço Júnior é o “business leader” desta edição da revista Mozbusiness. Com mais de uma década de experiência como gestor sénior de empresas de renome, o empresário desempenha, actualmente, um cargo executivo na empresa Austral Consultoria, onde é sócio maioritário. Para ele, um bom empreendedor deve ter várias qualidades, mas, ao mesmo tempo, alerta que o perfil ideal não existe.
MATEUS FOTINE (ENTREVISTA)
Entre outras funções, Luís Magaço é CEO da AUSTRAL Consultoria, administrador da Soares da Costa, membro do Conselho Consultivo da Visão Mundial, presidente da ACIS, presidente da Mesa da Assembleia Geral do Instituto de Directores, presidente do Conselho Fiscal da Câmara do Comércio, presidente da Mesa da Assembléia Geral da AMECON, cônsul de São Tomé e Príncipe e membro do Comissão Técnico-científica para a COVID-19. De que forma gere tantos afazeres?
Só tenho uma função executiva, aquela que me ocupa 8 horas por dia e que me paga um salário: a AUSTRAL Consultoria, onde sou sócio maioritário e CEO. Todas as outras funções são não-executivas ou de assessoria; têm os seus próprios órgãos executivos que realizam a gestão do dia a dia. Nas organizações fora da AUSTRAL, tenho uma reunião semanal de uma hora, com os directores executivos, onde discutimos planos e metas. Depois, eles realizam os seus trabalhos sem a minha intervenção. Em algumas funções, por exemplo, nas presidências das assembleias gerais, tenho duas reuniões anuais, de duas horas cada. O segredo é ter equipas executivas muito competentes, que nos tiram trabalho, e só temos de dar orientações estratégicas.
A COWI é uma empresa de consultoria de envergadura internacional. Como conseguiu trazê-la para Moçambique, o que faz e quais foram os principais marcos atingidos a nível nacional, até agora?
A COWI é uma empresa internacional, com sede em Copenhaga e que tinha 40 escritórios a nível mundial. É uma empresa eminentemente de consultoria em engenharia, concebendo pontes, estradas, aeroportos, marinas, edifícios. Também tem uma unidade de immagery, que digitaliza dados geográficos. Tem 4 aviões que fazem levantamentos todos os dias, em todo o mundo. O primeiro país onde abriu um escritório fora da Dinamarca foi a Tanzânia, em 1965. A seguir a isso, a COWI expandiu-se para todo o mundo, tendo comprado integralmente a empresa local AUSTRAL, em 2007, e designou-a COWI Moçambique.
No pico do seu negócio, a COWI empregava 8.000 colaboradores. A internacionalização em larga escala nos 5 continentes tornou difícil e arriscado para a COWI realizar os seus negócios de forma segura e informada. Legislações diferentes, práticas locais, línguas diferentes, regimes governativos muito específicos e às vezes hostis, obrigaram a COWI a mudar a sua estratégia de crescimento.
Com efeito, a partir de 2017, a COWI começou a desinvestir em todo o mundo, tendo decidido, em 2021, vender o seu último dos 5 escritórios em África, Moçambique. Três directores da COWI Moçambique, incluindo eu, aceitaram comprar a empresa e voltaram a designá-la AUSTRAL Consultoria, a partir de 1 de Janeiro de 2022. Hoje, a COWI só tem escritórios na Escandinávia – Dinamarca, Suécia e Noruega – e sucursais em Londres e Newark—New Jersey.
Enquanto a empresa operou em Moçambique, trabalhei como director-geral durante 10 anos, excluindo o período de interrupção em que fui para administrador do Moza Banco. Ninguém trouxe a COWI para Moçambique. Eles já andavam por cá a realizar vários estudos, com muito sucesso. Na verdade, fruto desse êxito, a COWI decidiu abrir uma empresa em Moçambique em 2006 e em 2007, com o objectivo de ganhar escala, fizeram uma proposta para comprar a AUSTRAL.
A COWI tronou-se uma referência de qualidade, integridade e profissionalismo em Moçambique, sendo apreciada pelos clientes pelo seu alto nível de produtos entregues e valores éticos, um elemento muito importante na Escandinávia. Desde 2018 que somos uma empresa com qualificação ISO 9001:2015.
Na sua opinião, qual é o o perfil ideal que um bom empreendedor deve ter?
Um bom empreendedor não deve possuir uma, mas várias qualidades, as quais, vistas uma a uma, nunca serão perfeitas. Por isso, perfil ideal não existe. Ele é muito condicionado pelo meio envolvente, pelo momentum, pelas vantagens comparativas e competitivas. No fim do dia, o que conta mesmo são os ditos black figures, isto é, lucros. Um bom empreendedor deve, sobretudo, saber liderar pessoas que, agrupadas por especializações, serão equipas. Comunicar bem a visão, os objectivos e a razão da tarefa é um requisito importante para manter equipas informadas, motivadas e comprometidas. O talento na comunicação e a disponibilidade para prestar apoio e assistência às equipas são elementos críticos para tornar um líder de sucesso.
Quantas pessoas possui a trabalhar consigo na AUSTRAL e qual a sua preocupação ao geri-las?
A AUSTRAL é uma empresa de consultoria, especializada em estudos, gestão e diagnósticos, nas áreas socioeconómica, desenvolvimento infraestrutural, águas e saneamento, planificação urbana, ambiente e reassentamento. 99% do capital da AUSTRAL são pessoas.
O nosso principal activo é o conhecimento. Não tenho outra escolha senão orientar as minhas energias para assegurar que as minhas equipas tenham a informação correcta, tenham motivação e meios de trabalho.
Levo também em conta que como não vendo produtos de massas, o conhecimento é altamente debatível porque ele se inova permanentemente e a uma velocidade estonteante. Muitas das vezes, o cliente sabe mais do tema do que os consultores. Temos cerca de 40 consultores na folha de salários e outros tantos que são associados. Em momentos de pico, podemos ter algumas centenas de consultores ao nosso serviço. Em Novembro de 2022, tínhamos cerca de 250.
Que características profissionais procura para contratar colaboradores na AUSTRAL?
Conhecimento científico, experiência, certificações e atitude. É uma combinação das quatro qualidades. Um colaborador deve poder assimilar novos conhecimentos e aceitar mudanças.
Hoje fala-se muito de “people-centred approach” e do desenvolvimento de capacidades humanas. Qual é a sua visão, enquanto gestor de diversas empresas e instituições?
Vai ao encontro da minha abordagem acima, sobretudo em empresas cujo capital principal são as pessoas. O que não me referi até agora é a importância da formação. Já dirigi uma organização que tinha nos seus planos gastar 5% do valor das vendas em capacitação e cumpríamos as metas. Na COWI a formação dos quadros é crítica, uma vez que fornece ao colaborador instrumentos de defesa e de ataque. Nivela o conhecimento nas equipas e entre elas, e aumenta a motivação. Na COWI há inclusive cursos especializados e certificáveis. Criamos na AUSTRAL duas áreas centradas nas pessoas: Recursos Humanos-Desenvolvimento (RHD) e Counselling. O RHD dedica-se a realizar tarefas que elevam o conhecimento e a autoestima do colaborador. Refiro-me às formações, ao desenvolvimento de carreiras, os planos de desenvolvimento de pessoal, às avaliações do estado de engajamento dos colaboradores às avaliações de desempenho, os on-boardings e off-boardings, às formulações de políticas tais como regulamentos, etc.. O counselling olha para os traumas sociais e de saúde do colaborador, que estão directamente relacionados com o serviço ou que afectam o serviço. É uma área critica que tem permitido que muitos colaboradores encontrem soluções simples e baratas através da assistência das nossas equipas especializadas.
A ESSÊNCIA DO LÍDER
Quais são os projectos de que mais se orgulha e que desenvolveu na AUSTRAL? E porquê?
A AUSTRAL faz 37 anos em Julho deste ano. Foram muitos os projectos que realizou e na maior parte deles, com muito sucesso. A AUSTRAL deve o crescimento e sucesso particularmente ao seu fundador, Dr. Almeida Matos, e, à primeira CEO, Jeanne Stephens. Em cerca de 20 anos, eles transformaram uma empresa de 3 pessoas, num gigante de consultoria na África Austral, com escritórios em várias cidades moçambicanas, em Joanesburgo e em Luanda. Devo enfatizar que a AUSTRAL foi a primeira empresa moçambicana na área do conhecimento a abrir um escritório na África do Sul, ainda no tempo do apartheid. Por isso, as realizações da AUSTRAL são diversas, que eu teria dificuldade em nomear [a que mais se destaca] ou algumas. Coisas muito simples que fizemos e que eram únicas: lançamos e produzimos semestralmente a única revista turística que Moçambique tinha na década de 90 e princípios de 2000, o TimeOut. Durante 6 anos fui Editor dessa revista. Lançámos, por volta de 1991, a primeira newsletter mensal designada Mozambique Opportunities, que publicava oportunidades de negócios, incluindo todos os concursos lançados no país. Tal como o TimeOut, o Mozambique Opportunities era bilingue, o que era do agrado de muitos investidores e turistas estrangeiros. Em meados dos anos 90, organizamos as primeiras grandes conferências do sector privado, hoje designadas por CASP. Nessa altura, não havia em Moçambique empresas com capacidade para realizar eventos acima de mil pessoas. Em matéria de estudos, há vários que temos orgulho de ter realizado. Recentemente, produzimos três planos urbanos, para a Beira, Ilha de Moçambique e Nampula. Hoje, essas cidades já sabem como devem crescer. Basta seguirem os planos. Há cerca de 20 anos, aquando das cheias de 2000, o sistema das Nações Unidas confiou à AUSTRAL a distribuição de apoio financeiro às vítimas das enxurradas. Realizamos o trabalho com uma grande eficiência e transparência. Não faltou um único centavo, em muitos milhões de meticais que distribuímos, certificados pelos beneficiários. Muitos outros estudos realizamos, incluindo os da privatização de empresas estatais. Não cabe aqui mencionar todos os sucessos.
Dos projectos de grande envergadura que já liderou, qual foi o mais complexo? Justifique os motivos e as estratégias que usou para ultrapassar os desafios que encontrou.
Foram vários, mas certamente um estudo sobre a percepção da população, empresários e funcionários públicos sobre a corrupção, foi emblemático. É uma tipologia de estudos em que o cliente não quer conhecer a verdade e tenta impor-nos a sua visão. Este é apenas um exemplo de estudos em que o cliente não quer ver nada em seu desabono. Um exemplo também evidente são as auditorias programáticas aos projectos. Há muita tensão entre o consultor e o cliente. Tivemos outros projectos desafiantes. Quando realizamos as avaliações de empresas para efeitos de privatização, o Estado queria que atribuíssemos um valor mais alto às empresas visadas, mas não era possível. Houve um projecto que ganhámos com base num team leader que conhecia muito bem o tema, mas uma semana antes do estudo iniciar, ele morreu. Ficamos com todos os pressupostos trocados.
Entre os valores que valorizam a sua marca, em quais aposta mais?
O profissionalismo e a ética nos negócios. Vivemos para deixar um legado de melhor mundo, melhores pessoas.
Que tipo de liderança exerce na empresa?
Sou a pessoa errada para fazer uma auto-avaliação, mas esforço-me por ser uma pessoa que transmite uma visão, estimula o trabalho das equipas, delega a autoridade, exige resultados e rigor na realização das tarefas. Sobretudo propugno a existência de uma empresa de pessoas motivadas e comprometidas com o projecto.
Quais são os seus role models?
Vários. Já mencionei o Almeida Matos e a Jeanne, mas mencionaria também o meu SVP em Copenhaga, Jan Mosbech Kieller, o Dr. Ibraimo Ibraimo.
Que livro possui na sua mesa de cabeceira?
“O gigante adormecido dentro de ti”, de Anthony Robbins.
Que mensagem gostaria de deixar aos jovens empresários?
Tenham uma visão e compromisso de longo prazo, isto é, de 10 a 20 anos. Os ganhos vêm devagar, mas firmemente. Os bons ou maus resultados de hoje, podem não ser os de amanhã. Nada é certo neste mundo senão a morte; preparem-se para a adaptação permanente. Nunca menosprezem a aprendizagem contínua.
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“Três directores da COWI Moçambique, incluindo eu, aceitaram comprar a empresa e voltaram a designá-la AUSTRAL Consultoria, a partir de 1 de Janeiro de 2022. Hoje, a COWI só tem escritórios na Escandinávia – Dinamarca, Suécia e Noruega – e sucursais em Londres e Newark—New Jersey”