Gary Clyne é CEO da Carbon Asset Developer Associates LLC (CADA), com sede no sul do Texas (EUA) e com representações em várias geografias do mundo, como Trinidade e Tobago, Grenada, Singapura, e, brevemente, em Moçambique. A CADA foi convidada pela CCMUSA a colaborar na organização da conferência ‘Como lucrar com os créditos de carbono?’, em Julho, e a revista Mozbusiness aproveitou a oportunidade para entender melhor como funciona a arquitectura do negócio dos créditos de carbono e dar um ‘overview’ mais profundo sobre um tema que gera tantas dúvidas.
Helga Nunes (texto) . Dino Valeta (fotos)
Como são gerados os créditos de carbono?
Os créditos de carbono são gerados de duas formas simples: pela prevenção de emissão de gases de efeito de estufa e pela redução de gases de efeito de estufa, conjuntamente designados no círculo da acção climática como mitigação.
Um exemplo de projectos de prevenção seriam os projectos eólicos e solares que geram electricidade sem emissão de gases de efeito de estufa como o carbono, contrariamente à electricidade gerada pela queima de combustível fósseis como o carvão, o diesel, ou mesmo o gás natural, que no processo de queima emitem elevadas quantidades de gases de efeito de estufa como o carbono.
Por outro lado, projectos de redução de emissões de gases de efeito de estufa constituem acções que visam reforçar sistemas que, natural ou artificialmente, sequestram e utilizam o carbono. Um exemplo prático seria o reflorestamento, a preservação de ecossistemas marinhos como mangais, ou mesmo a captura e o armazenamento de carbono através de meios tecnológicos, conhecidos na sigla inglesa como CCS (Carbon Capture and Storage).
Como é que o comércio de créditos de carbono pode beneficiar as empresas?
No geral, o projecto de redução de gases de efeitos estufa são de capital intensivo e requerem investimentos elevados. Um exemplo seria a massificação de veículos eléctricos, ou projectos de geração de energia limpa, que requerem elevadas somas para upfront invesment. Os créditos de carbono podem fornecer o financiamento necessário para preencher quaisquer lacunas de financiamento, e vêm na forma de património que torna os projectos de prevenção e mitigação mais viáveis para mobilizar investimentos.
Por falar em finanças, qual é o preço do crédito de carbono actualmente no mercado?
Depende do mercado. Não existe um único mercado de carbono, da mesma forma como existem vários mercados de acções ou Bolsas de valores. Nos mercados oficiais e nos mercados mais fortes, onde essas unidades são líquidas e têm maior rentabilidade, variam entre 8 e 20 euros uma tonelada métrica. Mas, no mercado da Califórnia o preço por tonelada de carbono pode ir até aos 150 dólares norte-americanos. No mercado voluntário, os preços são muito mais baixos porque nesses mercados eles não dependem basicamente do melhor conhecimento.
Como funciona o comércio dos créditos de carbono?
Ele opera onde existe um vendedor, geralmente do lado do developer, e, depois, tem um comprador que compra esses créditos para atender a certas metas internas, comprá-los em virtude das metas de governança social ou pode comprá-los para alcançar as metas de redução de gases de efeito de estufa de um país. Em suma, a demanda por créditos de carbono advém dos compromissos de redução [pegadas de carbono] de países, empresas e até indivíduos. No caso de países, principalmente os países desenvolvidos, estes compram créditos de carbono para honrarem os seus compromissos no quadro de Acordo de Paris. A demanda também pode ser a nível nacional para a compensação do imposto, pois há países que têm imposto de carbono.
Que empresas ou entidades podem gerar e vender créditos de carbono?
As empresas emissoras podem gerar créditos de carbono empregando programas de capital que reduzem as emissões de CO2. Entidades com altas emissões, como cimenteiras, centrais térmicas, grandes supermercados, e outras entidades públicas e privadas podem reduzir a sua pegada de carbono [carbon footprint] através de parceiros como a empresa CADA e podem desenvolver esses projectos e gerir os aspectos de redução de emissões, para garantir que os projectos sejam de alta qualidade e possam ser adquiridos aos melhores preços possíveis.
Como funcionam os mercados de carbono a nível internacional funcionam também em África?
De acordo com o Artigo 6.2 do Acordo de Paris (Acordo Climático), os países africanos podem beneficiar de esforços cooperativos entre dois países, através da troca de créditos de carbono. Os países desenvolvidos providenciam o capital, e, em contrapartida, adquirem os créditos de carbono para honrarem os seus compromissos de redução de emissões de gases de efeitos de estufa. O espírito do Acordo Climático de Paris está em aumentar os níveis de ambição climática entre os seus membros. De forma simples, os países desenvolvidos financiam projectos que reduzem emissões de gases de efeito de estufa, e como contrapartida adquirem créditos de carbono.
Adicionalmente, existe uma provisão dentro do Artigo 6 do Acordo Climático de Paris que cria um mercado internacional de carbono, nomeadamente o Artigo 6.4. O Artigo 6.4 cria um mercado internacional que substitui o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que funcionou dentro do Protocolo de Kyoto. O Artigo 6.4 vai, também, abrir oportunidades para o sector privado, assim como outros actores no continente africano. Existem actualmente iniciativas, na sua fase incipiente, de criar um mercado de carbono a nível africano. Os potenciais de créditos de carbono do continente africano são imensos. Como exemplo, estima-se que a capacidade de absorção de carbono das florestas africanas possam gerar 10 biliões de dólares americanos por ano. E esta cifra exclui os potenciais de redução de emissões de gases de efeitos de estufa em sectores como a indústria, o transporte e a energia.
Existem opções de tecnologia pronta para o Processo de Captura e Armazenamento de Carbono (CAC) ou CCS em inglês?
Há várias opções comercialmente viáveis. Depende do escopo do sector. A Convenção das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, na sigla inglesa UNFCCC, prevê pelo menos 14 escopos de diversos sectores. A tecnologia de captura de carbono existe e é utilizada há mais de três décadas. No entanto, foi sempre utilizada para permitir a extracção de mais combustíveis fosseis. O debate agora está em armazenar permanentemente em sistemas naturais, e o canal de Moçambique foi identificado como um dos lugares favoráveis para o armazenamento permanente de carbono.
Como pode a CADA ajudar as empresas moçambicanas a iniciar projectos de CCS?
Bem… a maneira mais rápida e eficiente seria através do Artigo 6.2 do Acordo de Paris. Se uma empresa em Moçambique nos pudesse ajudar juntamente com a Câmara de Comércio Moçambique-Estados Unidos da América para que Moçambique entrasse num acordo bilateral com um de nossos países compradores credenciados, então poderíamos gerar o interesse no capital dos compradores para fornecer o financiamento necessário no sentido de construir grandes projectos.
Então, como acha que Moçambique contribui para a redução global das emissões de GEE, considerando a vulnerabilidade do país aos impactos das mudanças climáticas e posições económicas de baixa renda?
De facto, Moçambique apesar de ser um dos países que menos emite gases de efeito de estufa, é dos que mais sofre com as consequências das mudanças climáticas. Os fenómenos climáticos cada vez mais intensos e frequentes assolam o país todos os anos, causando vítimas humanas e materiais. Todos os anos, Moçambique é matéria de abertura dos nossos noticiários com mais um desastre natural. Entretanto, cabe destacar que os recursos energéticos altamente poluentes como o carvão e gás natural vão gerar emissões em outras geografias e contribuindo para a maior ameaça à existência da humanidade — as mudanças climáticas. A atmosfera não conhece fronteiras geográficas. Pouco importa para a atmosfera o local onde ocorre a emissão do gás de efeito de estufa. Os recursos energéticos fósseis pode ser extraídos em Moçambique e queimados em outro lugar, mas os fenómenos climáticos cada vez mais intensos e destrutivos continuarão a assolar Moçambique. Parte da solução está nos mecanismos de mercado dentro do quadro do Acordo de Paris que permitem alavancar os investimentos necessários para projectos limpos e resilientes, que são na sua maioria de capital intensivo.
O Governo de Moçambique pode permitir o intercâmbio sob um acordo bilateral com um dos países compradores, permitindo a entrada de divisas, a criação de empregos limpos, a transferência de tecnologia e, consequentemente, a transição para uma economia verde.
Que oportunidades existem para Moçambique nos mercados internacionais de carbono?
Como fiz referência, actualmente, a contribuição de Moçambique para as emissões globais de gases de efeitos de estufa é bastante reduzida, tal como acontece com a maioria dos países africanos em desenvolvimento. No entanto, o cenário vai mudar drasticamente nos próximos anos. A transformação económica do País, com o formidável crescimento económico das últimas duas décadas, assim como a trajectória de crescimento para os próximos anos. A exploração do gás natural no canal de Moçambique pode levar a um incremento considerável de emissões fugitivas na boca do poço, nas baterias dos tanques dos oleodutos, em operações intermediárias como quaisquer refinarias, operações a jusante, plantas e fábricas, podem ser difíceis de reduzir. Contudo, existem soluções tecnológicas para reduzir essas emissões.
Uma das coisas que a CADA está a fazer para os Clubes do Clima, no âmbito da Declaração do G7 em 2022, é promover a ideia de que temos de formar o Clube do Clima americano, o qual poderá trazer fundos do governo dos EUA. Como tal, estamos a procurar ter a capacidade de fechar acordos bilaterais entre os EUA e os países africanos, com o apoio e em nome do governo dos EUA.
Como tem sido a experiência da CADA em África, incluindo Moçambique?
Estamos a intervir em África já há algum tempo, aliás desde que Shake Shagari foi presidente sob a sua revolução verde, formou empreendimentos comerciais e trabalhou com vários parceiros. Mais recentemente, fui vice-presidente de alguns projectos com sede em Lagos. Assumi as operações de Trinidad em 2009 e lá operei até 2020, quando iniciamos a operação aqui nos EUA. Portanto, entendemos África, entendemos os estados pequenos e que estão em desenvolvimento e, com 18 anos de experiência sob o triplo C da UNF e o mecanismo de desenvolvimento limpo, entendemos toda a arquitetura em torno dos créditos de carbono.