Guerra na Ucrânia aperta cintos na África Subsaariana
A subida dos preços dos alimentos e da energia, decorrente em parte da guerra na Ucrânia, provocou aumentos acentuados do custo de vida em toda a região da África Subsaariana, levando milhões de pessoas a cair na insegurança alimentar e na pobreza, segundo indica o relatório “Perspectivas Económicas Globais” do Banco Mundial. CELITA MATSENA (TEXTO) O relatório “Perspectivas Económicas Globais” do Banco Mundial refere que “a demanda global por muitas commodities não energéticas diminuiu, afectando negativamente os exportadores de metais industriais da região”. O espaço fiscal necessário para proteger os pobres foi esgotado em muitos países, ao mesmo tempo que o aumento dos custos dos empréstimos e as fracas perspectivas de crescimento pioraram drasticamente a dinâmica da dívida. A perspectiva regional para 2023-24, de acordo com o documento, é de apenas uma modesta recuperação do crescimento e um lento aumento da renda per capita, diminuindo as perspectivas de uma rápida reversão dos recentes aumentos da pobreza. Os riscos são inclinados para o lado negativo. Uma fraqueza mais pronunciada nas principais economias, novos aumentos nas taxas de juros globais, inflação mais alta e persistente, fragilidade e maior frequência e intensidade de eventos climáticos adversos podem desacelerar ainda mais o crescimento. Aumentos do custo de vida reduziram a acessibilidade dos alimentos Ainda de acordo com o documento, o crescimento na África Subsaariana (SSA) desacelerou cerca de 3,4% no ano de 2022 – 0,3 pontos percentuais abaixo das previsões anteriores. Os aumentos do custo de vida, intensificados pelos efeitos da guerra na Ucrânia, reduziram a acessibilidade dos alimentos e a demanda doméstica em toda a região, especialmente em países sem espaço político para proteger os pobres, refere o documento. Quase 60% dos extremamente pobres do mundo, que gastam uma parcela substancial de sua renda em alimentos, vivem na Africa Subsaariana segundo indica o Banco Mundial (2022). No ano passado, o número estimado de pessoas com insegurança alimentar aguda ou pior na ASS ultrapassou 140 milhões, quase 24 milhões a mais desde 2021 (FSIN e GNAFC 2022). Ainda de acordo com o relatório, o aumento dos preços dos alimentos está, portanto, a ter graves repercussões na segurança alimentar, na redução da pobreza, na coesão social e no crescimento em muitos países. Os aumentos dos preços dos alimentos, que representaram mais da metade da inflação global, empurraram a inflação média na Africa Subsaariana para 13 por cento – quase três vezes acima da sua taxa pré-pandémica. Possíveis cenários caso as pressões inflacionárias globais se intensifiquem ou persistam Em outras partes da região, prevê-se que o crescimento se fortaleça para 5% em média de 2023 a 2224, ligeiramente abaixo da previsão de Junho. Espera-se que uma recuperação atrasada da pandemia da COVID-19 ganhe força em muitos países, à medida que o alívio das pressões do custo de vida aumenta a demanda doméstica. Apesar da situação, o relatório indica que alguns países produtores de energia da região da África Subsaariana beneficiem do aumento das exportações de petróleo e gás natural, como é o caso de Moçambique, Níger e Senegal. Prevê-se, no entanto, que “o ambiente externo permaneça desafiador para alguns países, com novas quedas nos preços globais de várias commodities, prejudicando as receitas de exportação e o crescimento. Espera-se também que a maioria dos países continue a enfrentar preços elevados nos fertilizantes e combustíveis importados, embora um pouco abaixo dos máximos alcançados no ano passado. É provável que grandes ‘deficits’ em conta corrente mantenham as moedas sob pressão em vários países, aumentando a inflação e as vulnerabilidades externas (na Gâmbia e no Gana)” refere o relatório. Se as pressões inflacionárias globais se intensificarem ou persistirem por mais tempo do que o esperado, as taxas de juros globais podem subir mais do que o esperado, levando a uma deterioração ainda maior das condições financeiras na África Subsaariana e a uma maior dificuldade em recuperar o acesso aos mercados dos empréstimos internacionais. Desta forma, o documento salienta que “isso pode desencadear dificuldades financeiras e inadimplência da dívida do governo. O sobreendividamento do governo teria grandes repercussões negativas sobre o crescimento e a estabilidade financeira em muitos países, especialmente onde os bancos estão fortemente expostos à dívida soberana (Gana, Quénia, Serra Leoa). O aumento da dependência de empréstimos não concessionais na África Subsaariana pode causar um aumento acentuado nos custos do serviço da dívida se as taxas de juro globais continuarem a subir”, salienta o documento. Apesar da esperada moderação da inflação global dos preços dos alimentos, o Banco Mundial alerta no seu relatório que “uma interrupção repentina no fornecimento global ou local de alimentos básicos pode desencadear surtos de aumentos substanciais dos preços em toda a região da Africa Subsaariana”. DESTAQUE Dados do Banco Mundial indicam que a inflação atingiu o seu máximo em Moçambique nos últimos cinco anos, ascendendo à média global de 10,3%, influenciada pelo aumento dos preços dos combustíveis e alimentos no mercado internacional. CAIXA Crescimento não inclusivo O forte desempenho de crescimento de Moçambique nas últimas décadas ajudou a reduzir a pobreza no País. Contudo, o crescimento não foi suficientemente inclusivo. Isto deve-se, em parte, à forte dependência da indústria extractiva, que tem vínculos limitados com a economia em geral, e à baixa produtividade do sector agrícola – a principal fonte de subsistência para os mais pobres.